Saúde da mulher: desafios para promover a equidade no controle do câncer de mama

Por Andréa Ávila – Pesquisadora na Fiocruz

 

O Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher, celebrado em 28 de maio, é um dia para lembrarmos da importância da saúde das mulheres e dos desafios que ainda persistem para garantir o acesso universal à saúde de qualidade, com foco na prevenção e no diagnóstico precoce do câncer de mama.

 

O Câncer de Mama como Preocupação Global

 

O Dia Internacional de Ação Pela Saúde da Mulher foi definido em 1984 com o objetivo de nortear ações para evitar mortes maternas, principalmente em países de média e baixa rendas, incluindo o Brasil. 

Uma das principais causas de morbidade, incapacidade e mortalidade em mulheres em todo o mundo é o câncer de mama.  A sobrevida é impulsionada principalmente por uma interação de fatores que influenciam o acesso equitativo tanto ao diagnóstico quanto aos cuidados para mulheres com câncer de mama, além da capacidade dos sistemas de saúde de prover cuidados oncológicos eficazes. Atualmente, mais de dois terços das mortes relacionadas ao câncer de mama ocorrem em Países de Média e Baixa renda. 

Em 2021, a OMS lançou a primeira iniciativa coordenada para acelerar os esforços no controle do câncer de mama e impulsionar o progresso mundial na saúde das mulheres visando:  a promoção da saúde, diagnóstico precoce apropriado e tratamento adequado.  

A melhoria contínua do combate ao câncer de mama tem sido atribuída tanto à detecção precoce quanto à acesso a tratamento de qualidade. Infelizmente, o panorama em países de média baixa renda é insuficiente para traduzir em melhor prognóstico, afinal, a acessibilidade de mulheres ao diagnóstico e tratamento é limitado no sistema de saúde, ou seja, falta investimentos na atenção primária à saúde que é o alicerce para trazer benefícios efetivos para população de mulheres. 

 

De acordo com o Dr Leonardo Foti, pesquisador em saúde pública do Instituto Carlos Chagas, unidade da Fiocruz no Paraná, e coordenador de projeto de pesquisa e desenvolvimento de dispositivos para diagnóstico de câncer de mama, ” o panorama brasileiro é um retrato da falta de infraestrutura adequada, de acesso ao diagnóstico adequado com auxílio de mamógrafos, por exemplo, como também da escassez de profissionais treinados para diagnosticar o câncer de mama eficientemente. Além disso, mesmo quando disponíveis, os custos para receber os tratamentos podem ser proibitivos para muitas mulheres, pois inclui custos com deslocamento, alimentação e hospedagem. Sem dúvida, as desigualdades socioeconômicas e culturais, como também as desigualdades de gênero, impedem as mulheres de procurar cuidados ou de aderir aos tratamentos recomendados. E não podemos esquecer de regiões rurais ou isoladas que estão muito distantes de centros de saúde, que dificulta o acesso regular aos cuidados médicos. “

 

Desafios para o Controle do Câncer de Mama

 

Ações de investimento para promoção da saúde por meio da atenção primária amplia os benefícios de saúde para mulheres com câncer de mama, pois permite o rápido início do tratamento, reduzindo assim a morbidade e a mortalidade.

Os programas populacionais de rastreamento por mamografia têm sido desenvolvidos em muitos países de renda alta, contudo, os sistemas de saúde nos países de renda baixa e média são deficientes e não possuem a infraestrutura, ou os recursos humanos e financeiros, para implementar programas voltados ao rastreamento adequado. Portanto, o rastreamento por mamografia é desigual, e o Brasil não é exceção, pois atualmente a cobertura da faixa etária prioritária permanece baixa. Logo, implementar políticas públicas que garantam o acesso universal à saúde de qualidade, com foco na prevenção e no diagnóstico precoce são fundamentais. 

 

Dr. Foti ressalta que “Educação e conscientização através de campanhas de sobre a importância do diagnóstico precoce e tratamento do câncer de mama, devem fazer parte de ações que visem proporcionar equidade na saúde das mulheres, porém inovações tecnológicas como a telemedicina, que permite consultas a distância, são primordiais para ajudar a superar barreiras geográficas e de infraestrutura.  São necessárias políticas para investimentos para implementação de ações e tecnologias que reduzam o custo do tratamento para pacientes de baixa renda.”

 

Dispositivos “Point-of-Care ” (PoC) facilitam o diagnóstico precoce do câncer de mama em áreas com poucos recursos.

Muitas técnicas de diagnóstico só podem ser realizadas em instalações laboratoriais com infraestrutura e pessoal treinado, limitando   a implementação de tecnologias sofisticadas de diagnóstico em ambientes com poucos recursos. 

Por isso, dispositivos portáteis para o diagnóstico no ponto de atendimento vêm sendo uma inovação importante para fornecer uma solução para esse desafio.  Com o intuito de resolver as deficiências dos diagnósticos existentes para ambientes com poucos recursos, a OMS introduziu uma lista de critérios para o teste de ponto de atendimento ideal, conhecido como ASSURED (Affordable, Sensitive, Specific, User-friendly, Robust & Rapid, Equipment-free, and Deliverable). Dispositivos apropriados para campo têm sido desenvolvidos para miniaturizar e simplificar algumas das tecnologias encontradas em instrumentos de laboratório.

No caso de câncer, vem crescendo os incentivos para desenvolvimento de testes de PoC visando detectar biomarcadores de forma rápida e precisa, já que a detecção de câncer com métodos diagnósticos tradicionais, como biópsia e técnicas de imagem, é invasiva, cara e demorada. Esses métodos também podem não ser eficientes para detectar cânceres em estágio inicial ou podem gerar resultados falso-negativos. 

Biomarcadores de câncer são moléculas específicas produzidas por células cancerosas ou liberadas na corrente sanguínea em resposta ao câncer. Podem ser proteínas, ácidos nucléicos, metabólitos ou células. A detecção de biomarcadores de câncer fornece informações úteis sobre a presença, estágio, progressão ou resposta ao tratamento do câncer. Sua quantificação no nível do traço é altamente necessária no diagnóstico clínico, pois pode prevenir metástases de câncer e fornecer tratamento mais eficiente para o paciente com câncer. Por outro lado, alterações genéticas e biomarcadores que envolvem alterações no DNA ou genes também podem ser usados para prever a predisposição de uma pessoa a certos tipos de câncer, ou para identificar mutações específicas associadas ao câncer. No entanto, um dos desafios do desenvolvimento de dispositivos PoC é alcançar sensibilidade e especificidade clinicamente relevantes.

 

Dr Foti concorda que “os dispositivos point-of-care são considerados uma inovação significativa para o diagnóstico de doenças, principalmente por permitirem testes rápidos e eficazes diretamente no local de atendimento ao paciente. Isso elimina a necessidade de enviar amostras para um laboratório, reduzindo o tempo de espera para os resultados e possibilitando um tratamento mais rápido e direcionado. Investimentos em tecnologias tipo point-of-care pretendem melhorar a acessibilidade ao diagnóstico precoce de câncer, com baixo custo, simplicidade e portabilidade, além da não exigência de especialistas para interpretação dos resultados. Lembrando que devem ser voltados para um diagnóstico rápido com alta sensibilidade e seletividade, e ser dispositivos portáteis para serem levados no local de atendimento.”

 

Nanobiossensores são tendências para detecção rápida de biomarcadores de câncer de mama

Os biossensores são tendências notáveis nas publicações da última década para detecção de biomarcadores, e envolve a utilização de nanomateriais e nanopartículas. A versatilidade dos nanobiossensores no atendimento de várias necessidades clínicas ressalta seu potencial como plataformas multifuncionais para medicina personalizada e oncologia de precisão. Os nanobiossensores têm a eficácia para detecção precisa, pois oferecem vantagens significativas incluindo alta sensibilidade, seletividade e detecção rápida. O uso desta tecnologia emergente pode ser fundamental para detecção precoce de câncer e tratamento mais eficaz do paciente oncológico que resultará em melhora da qualidade de vida do paciente e maior chance de sobrevida.   

De modo geral, biossensores baseados em PoC são considerados ferramentas clínicas práticas para monitoramento de biomarcadores de câncer em amostras reais. O avanço em técnicas de nano e microfabricação de impressão molecular, biochips à base de carbono, dispositivos analíticos microfluídicos à base de papel e nanoeletrodos de impressão 3D em substratos flexíveis, têm desempenhado um papel fundamental na criação de dispositivos PoC que sejam ferramentas acessíveis e confiáveis para o diagnóstico do câncer. 

O surgimento de novas tecnologias com alta sensibilidade amplia as possibilidades de aplicação de diagnóstico precoce nos pontos de atendimento, no entanto, alguns desafios ainda precisam ser superados.  Enquanto alguns dispositivos de diagnóstico PoC já têm acesso ao mercado, outros ainda estão em fase de desenvolvimento, de ensaios clínicos ou abordando desafios técnicos. Sem dúvida, avanços contínuos neste campo devem impulsionar o desenvolvimento de biossensores PoC mais eficientes e confiáveis, de modo a serem aplicados para o monitoramento em grande parte de população de forma eficiente a ponto de proporcionar um prognóstico seguro ao longo do tratamento do câncer.  

 

Dr Foti lembra que “já existe desenvolvimento nacional de biossensores eletroquímicos que utilizam tecnologias avançadas para identificar a presença de microRNAs tumorais ou proteínas como o MUC1 e o HER2, que são indicativos de câncer de mama. No caso de HER2, por exemplo, o teste foi desenvolvido por pesquisadores do Senai Paraná em parceria com a empresa BMR Medical para uso em biópsias líquidas.  Os desafios para um dispositivo PoC no diagnóstico de câncer são os mesmos para qualquer diagnóstico de saúde, no sentido de ter sensibilidade e especificidade suficiente para serem aplicados em uma grande parte da população, uma vez que o câncer tem vários estágios na doença. É necessário também que o biossensor seja integrável e portátil, estável e durável, e que possa ser validado clinicamente, além de se alcançar um custo acessível. Mas não podemos esquecer da questão da educação e aceitação de pacientes e médicos.”

 

É necessário um esforço conjunto de governos, instituições de saúde, profissionais de saúde e sociedade civil para promover a equidade no controle do câncer de mama. A tecnologia pode ser uma ferramenta poderosa para superar os desafios e alcançar melhores resultados para as mulheres com câncer de mama.

 

Fontes: 

  • https://bvsms.saude.gov.br/28-5-dia-internacional-de-luta-pela-saude-da-mulher-e-dia-nacional-de-reducao-da-mortalidade-materna/
  • https://www.senaipr.org.br/tecnologiaeinovacao/blog/biossensor-eletroquimico-e-desenvolvido-por-pesquisadores-do-senai-parana-1-36126-465679.shtml.
  • Achi et al. Electrochemical nanobiosensors for the detection of cancer biomarkers in real samples: Trends and challenges (2024).  TrAC Trends in Analytical Chemistry. Volume 170: 117423
  • Isabel dos Santos Silva. Políticas de controle do câncer de mama no Brasil: quais são os próximos passos? Cad. Saúde Pública. Volume 34 (6): e00097018
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  • Sharifia et al. Development of point-of-care nanobiosensors for breast cancers diagnosis (2020). Volume 217: 121091.
  • Sugumarana et al. Nanostructured materials with plasmonic nanobiosensors for early cancer detection: A past and future prospect (2018). Biosensors and Bioelectronics. Volume 100: 361–373.
  • Trapani et al. Global challenges and policy solutions in breast cancer control Cancer Treatment Reviews (2022). Volume 104: 102339.
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